Livrete dos anjos sujos, xi. Interessam-me os infortúnios. Uma terceira mão alcançou-o, mão de mulher. Ele recostou-se na cadeira. Às vezes até clamo «viva nada» e satisfaço-me com isso. Fechou os olhos, deixou que ela lhe catasse as plumas. Havia uma almofada quase cheia com sobras de si conseguidas assim. Mas não me parece que tal seja sempre suficiente. Algo não permitia que ele fosse definitivo. Sabes?, ela deixou-me invocando que eu fazia muito vento quando estava em cima dela. Como um cão abana a cauda por satisfação, Fausto Schültz agitava as asas. Não nego, era jovem, vigoroso, entusiasmava-me. Todavia não lhe consegui tirar os três, os três ou os outros, os quatro, os cinco, os seis, os sete. Nenhuma vida é completa, ninguém consegue aproveitar todas as oportunidades. Hoje o meu problema é outro, não sei como é possível ser amante na solidão. Ele soergueu-se e arrumou melhor o corpo na cadeira. O passado perseguia-o, não era um arquivo morto, posto numa gaveta remota. Tentei, confesso, mas não me parece que isso seja possível. Por instantes atentou nos casquilhos dos puxadores das portas do armário. Achas que estou a ficar obcecado? Ela sorriu e preservou o silêncio. Estou, não estou? E um delíquio moral calou-o subitamente. Fausto Schültz era inquilino de dúvidas, um anjo estranho. Eliz B.