Uma cura para a melancolia. O rapaz vivia a tristeza própria dos tristes, uma melancolia temporã, que se antecipara aos problemas anímicos que, quando maduro, haveria de sofrer com maior intensidade. A desdita chegara-lhe por via do apelido, dizia-se, ainda que antes do momento previsto. Talvez porque de sangue acelerado, já menino ele padecia o abatimento profundo que afectava os homens da família. Para afastar a consternação que lhe consumia os dias e a disposição, ele habituou-se a montar armadilhas no bosque e a esperar que qualquer peça da fauna autóctone fosse vítima. Isto era o que o fazia feliz, a sensação de domínio. Porém, como a tristeza não era maleita reconhecida por lá e as autoridades da comunidade eram simpatizantes da doutrina da coexistência animal, foi-lhe movida uma perseguição correctiva, ao princípio por via administrativa, depois por via policial. Durante este processo, cansado de admoestações e de cacetadas, o rapaz desistiu de ir ao bosque e de ficar a vigiar as suas armadilhas. Recolheu-as. Tal reparação, no entanto, não lhe atenuou a tristeza. Tanto assim foi que ele continuou a sentir dentro de si o apelo do entretenimento, o que teve como consequência o aumento da sua ânsia. E já para além do limiar do desespero, não podendo capturar e torturar bichos, dedicou-se à captura e à tortura dos vizinhos, com método e preceito, para não ser detectado. Recomendou-lhe a cautela que, após a administração dos suplícios, fizesse desaparecer os corpos dos afligidos. Aquando os primeiros desaparecimentos observaram-se sentimentos contraditórios na comunidade. Os familiares dos desaparecidos manifestaram publicamente o seu incómodo e exigiram buscas e providências às autoridades. Mais do que a saudade em relação a um ente querido afastado misteriosamente do seu convívio, operava o temor e a sensação de insegurança. Mas os outros, os não afectados por qualquer desaparecimento - a maioria -, revelavam alívio. O solo sagrado do cemitério estava a esgotar-se, havia apenas espaço para sepultar os próximos quatro cadáveres. Descontando os desaparecidos, aumentava a probabilidade de, caso morresse, qualquer dos sobreviventes poder ser enterrado do campo de defuntos local. A preocupação só tocou os contentes do lugar no dia em que o corpo do coveiro foi encontrado retalhado brutalmente. O Marquês.