Livrete dos anjos sujos, iv. Embora as suas asas já tenham definhado e não as possa usar, Maria Saint-Saëns ainda está viva. Passa muitas tardes à janela, resguardada, a atirar pedras a quem passa na rua, particularmente aos miúdos, quando estes vão a caminho da escola. Durante a madrugada, acautelando o stock de munições para o dia seguinte, sai à rua para apanhar as pedras que atirou antes. Numa ocasião um sobrinho perguntou-lhe o motivo de tal comportamento. Ela respondeu, faço-o para poder continuar a fazer o que faço. De tanto as enrolar na mão, como se as acariciasse antes de as arremessar, ela conhece cada uma das pedras. Só desiste de uma pedra se ela for colhida e levada por alguma pessoa ou depois de a ter utilizado sessenta e seis vezes. Nunca lançou uma pedra sessenta e sete vezes ou mais, nunca. Quando recolhe uma pedra que atingiu o sexagésimo sexto arremesso contra alguém, atribui-lhe um nome, envolve-a num tufo de penugem sua e guarda-a numa arca, a única que tem, que está no seu quarto. Eliz B.