Livrete dos anjos sujos, iii. De Ulrich Kurtz quase nada se sabe. O pouco que se sabe é que um dia desapareceu, montado sobre uma bicicleta. E, mesmo isto, sabe-se pela estranheza do facto. Era o princípio do outono, final de setembro ou início de outubro, e, já tarde avançada, hora do lusco-fusco, ele passou de bicicleta na avenida. Então foi evidente para mais do que uma testemunha que a bicicleta seguia sem que ele pedalasse e que nas suas costas havia um par de asas imponente, em leque suave, e era isso que fazia a bicicleta avançar. Vivo nunca mais alguém o viu. Casualmente, foi encontrado morto numa floresta próxima da casa onde nasceu e viveu. Em torno do corpo havia uma clareira que parecia ter sido varrida por uma vassoura suave, de penas talvez. O cadáver estava no meio dela. Quem o encontrou reportou que o corpo estava frio, como sucede com o corpo dos perecidos, e sem pulsação. Mas que, de quando em quando, não obstante a inexistência de sinais vitais, as asas agitavam-se, como se o quisessem levar para um lugar diferente daquele onde jazia. Eliz B.