As vésperas do último profeta, i. Às vezes o rapaz entra em êxtase bíblico. Em rigor, o rapaz entra em delírio. E deus ali, defronte dele, à espera, sem chamar, apenas à espera. São assim as epifanias. Até que o rapaz decide atender-lhe e pergunta-lhe estás à espera de alguém?, pá. Deus, criatura muda, não responde, obviamente. Também não faz gestos, não envia sinais. Nada. Tenta a telepatia, mas, por qualquer contingência cujo controlo lhe escapa, não consegue o contacto com o rapaz. Vai daí, cansado de esperas, o rapaz provoca-o, chama-lhe cabrão, meu grande cabrão. O possessivo é mesmo para o atenazar. Ora, porque deus não é criatura de levar desaforos para o céu, resulta da provocação referida um combate. Deus de um lado, o rapaz do outro. Na circunstância acontece sempre um fenómeno que não permite acompanhar o combate. Nuns casos levanta-se um véu de poeira, noutros casos baixa um lençol de nevoeiro denso. Não se percebe o que acontece, portanto. Quem golpeia quem, com que força, com que gesto, com que eficácia, com que eficiência. Nada. Ouvem-se as onomatopeias típicas de uma cena de pancadaria, pim, pam, pum, pumba, tau, trau, tunga, trufa, zás, mais gemidos, gritos e silêncios. Convém não esquecer que deus é mudo. Embora não seja possível assistir ao combate, a história acaba sempre do mesmo modo. Assenta o pó ou desvanece-se o nevoeiro. E vê-se o rapaz sozinho. Que nunca saiu de qualquer contenda coxo, que foi como Jacob saiu, ao passar um vau qualquer do testamento antigo. O Marquês.