Ressureição. Arrombou a porta com estrondo. Depois vociferou. Não sei se os odeio. Nunca os amei, isto é certo. O ódio é um sentimento demasiado forte, demasiado exigente, mais do que o amor. Por isso julgo que não os odeio. Se nunca os amei, se nunca consegui amá-los, e em muitos momentos até teria sido fácil amá-los, julgo que não os odeio. Não obstante isto, não lhes perdoo. Quando tomei o veneno e me escondi sob o sobrado, na cave, foi para morrer. Deviam ter-me deixado morrer. Deviam ter-me procurado fora de casa, por aí, no bosque, nas ruínas do moinho, atrás dos muros que contornam as fazendas, nas margens da ribeira, nos locais onde os suicídas tentam o seu destino. Não deviam ter revolvido a casa, a nossa casa, do sótão à cave. Não deviam ter partido as tábuas do soalho para me resgatar. Deviam ter-me deixado a asfixiar no vómito negro, que era o meu vómito, o vómito do meu coração moído. Deviam ter-me deixado partir. Deviam ter-me concedido a liberdade que escolhi, ir. Deviam ter-me esquecido. E, antes, muito antes, fez um compasso de espera para agravar a voz, não deviam ter-me baptizado com o nome Lázaro. O Marquês.