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Albergue dos danados

Blog de maus e mal-dizer 

2007-11-19


O fim da esperança. O mundo é um erro e, se não for incentivado à mudança, a sua ordem permanecerá estancada no engano. (hesito, consciente que partida sou muitas, inteira sou uma só. se calhar mais do que hesito, resisto, una, íntegra, mas talvez não devesse resistir, talvez devesse deixar retalhar-me, constituir-me um arquipélago moral capaz de acompanhar o coro de vozes e deuses que, logo na atitude, tentam a minha dispersão) O comandante do bombardeiro, a bomba foi largada, informou a tripulação. (aleluia, a bomba) Na sequência, no posto de comando estratégico, ouviu-se uma voz grave, agora o que há a fazer é preservar a tranquilidade, manter os olhos no écran, esperar, a instar os presentes. Dentro de aproximadamente dois minutos poderemos verificar o resultado da missão. (a recusa que sinto e tento é inefável. a temperatura parece mais elevada do que é costume, transpiro) Dois minutos, está quase. O silêncio acompanhou a demora. A ansiedade cresceu com a espera. Apenas uma pessoa parecia calma, correspondendo à intenção afirmada pela voz que foi ouvida. Essa pessoa não era ela, era o assistente do comando, um jovem com patente baixa, que segurava um livro aberto na mão esquerda. Na mão direita tinha um lápis, o que sugeria um exercício de leitura particularmente atento. Na sala permanecia a suspensão e a tensão. A cadeira de um dos operacionais de informações rangeu. Ouviu-se um ruído metálico. Após esse instante tornou o silêncio. No écran continuava a ser exibida a deslocação vertiginosa da bomba, a sua aproximação ao alvo. Entretanto o assistente pousou o livro sobre a secretária e encontrou o lápis com uma das suas páginas. (que livro é que ele está a ler?, simulacres et simulation?, como é que ele pode estar tão calmo numa circunstância destas?, circunstância derradeira) Começou a sublinhar uma frase, car l’explositon est toujours une promesse, mas fez uma pausa breve no gesto, para encarar o écran, antes de retomar e terminar o sublinhado, elle est notre espoir. Faltam quinze segundos, ouviu-se pela última vez a voz grave. (quantos segundos?, quanto tempo é que falta exactamente?) Pouco depois outra voz, menos grave e mais sincopada, iniciou a contagem decrescente, Dez, nove, oito, sete. Nesse momento, como se tentasse interromper o ritmo do cronómetro, o assistente do comando levantou-se e sussurrou algo, elle est notre espoir, que nenhuma das outras pessoas presentes percebeu. Cinco, quatro, três, dois, (é agora) um, z. O que é que aconteceu?, o que é que aconteceu? O Marquês.


2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).