Talim talão e assim sucessivamente até se esgotarem as cores do arco-íris entre o infravermelho e o ultravioleta. As manias são uma coisa complicada. Não porque sejam coisa, mas porque são complicadas. Vamos ao caso. Parece que James Watson, cientista reputado e emérito, fez afirmações e teceu considerações sobre a inteligência de não se sabe bem quem. À luz do que é sabido, tais afirmações e considerações fazem parte do catálogo da estupidez. Ainda assim, James Watson proferiu-as. Parece que posteriormente demarcou-se da respectiva pronúncia, mas isso pouco releva. Também Galileo Galilei se desdisse, consta que por força das circunstâncias e não por renúncia à sua (cons)ciência. Seja como for, depois vieram as consequências. Uns quantos convites para conferências em academias da europa foram cancelados. E James Watson tornou a casa. Vamos agora à parte mais complicada, após um breve interlúdio. Aqui advoga-se até ao limite o direito à estupidez. Mesmo os estúpidos têm direito a pronúncia. No entanto há uma diferença significativa, que se chama juízo e decência, entre reconhecer o direito à estupidez e caucionar a estupidez. Pode haver adeptos e devotos da estupidez, se alguém quiser ser isso. No plano dos princípios, nada há a objectar. Mas os adeptos e os devotos da estupidez têm que arcar as consequências da respectiva estupidez. Até aqui é tudo muito claro. Vamos lá ao caso então. O caso é complicado porque as afirmações e considerações estúpidas tecidas por James Watson serem de foro pessoal e as sanções sofridas serem de foro académico. Watson tem direito à ciência e a ver as hélices do dna. Tem direito à estupidez e a ser racista. Tem também o direito a beneficiar e sofrer por isso, os seus direitos. Do que resulta que no plano embrulhado que é a puta da vida não há isso a que se chama ciência pura, tipo «ai eu já não quero continuar a brincar aos racistas e a dizer mal dos pretos, eu agora quero ser cientista e dizer umas verdades». A ilusão da separação dos planos da ciência e da vidinha é bonita na teoria, mas, para além de determinados limites - a estupidez é um deles -, não tem adesão empírica. Ora, terminada esta lengalenga, sai uma sentença. A racionalidade axiológica é uma coisa fodida. Mais uma vez, não porque seja coisa, mas porque é fodida. Aprende-se isto com Weber ou com Boudon, entre outras criaturas, geralmente desgraçadas, porém decentes. E é aqui que a coisa fia fino. A decência tem como condição a ponderação. Obriga a que nem se exorbite nem se condescenda. É por isso que não se deve ser complacente com o racismo de Watson. E que também deveriam ter deixado o homem falar sobre o que sabe, permitindo-lhe concretizar as conferências agendadas. Não aconteceu assim. É porque a inteligência dele, no que concerne às relações e interacções sociais, é como a inteligência que, à cão, ele reconheceu a outros. Aguente-se. Já tem idade para ter juízo. E quem surgiu a sugerir que os dislates dele são mera insensatez, desvalorizando-os, também. Até porque, não sendo coisas, uma coisa é a decência, outra coisa é a conveniência de polemista. Ou a desfaçatez. O que significa que, numa ordem decente ou que se deseja decente, o cancelamento das conferências para as quais Watson havia sido convidado, sendo grave, não tem a gravidade das afirmações e considerações sobre a inteligência de determinadas pessoas que ele fez. Segismundo.