O crepúsculo dos cabrões velhos. Fausto fechou o livro que tinha nas mãos, guardou-o no alforge, pegou no cajado, de que se socorreu para levantar-se, e assobiou. O rebanho convergiu lentamente em sua direcção, demora que ele aproveitou para concertar a samarra. Ao aproximarem-se as primeiras reses, ele iniciou a caminhada, conduzindo-as até ao limite do pasto, encontrado com a fraga do planalto. O caminho pedregoso obrigou-o a um estirão demorado e difícil. Não obstante o sol estivesse baço e aquelas serranias não fossem território onde costumassem elementos amenos, ele transpirou. Os pés incharam-lhe dentro das botas. Ainda assim não deteve qualquer passo e prosseguiu, em andar sem descanso. Ao acercar-se do despenhadeiro, abrandou a marcha. No cabo do planalto, dois passos antes do abismo, deteve-se. Pode dizer-se que é definitivo, o fim. Que, como tudo, finda, termina acabando, sem remissão. E que depois já não é o que era, é o que é. É assim com todas as coisas. Será assim também convosco. Fausto pronunciou estas palavras como uma espécie de prece e de exortação às peças de gado, que, nada as sustendo, precipitaram-se para o sacrifício. O rebanho foi aniquilado por respeito a um protocolo cruel de celebração da vida, entendido como exigência divina. Naquele arrabalde do mundo julgavam que a liquidação das catorze reses velhas - e a consequente preservação exclusiva das mais novas - garantir-lhes-ia a fertilidade das cabras no próximo cio. Porém, visto sem escrúpulo antropológico, tal acontecimento é produto de amência, apenas e só. Mas os factos são o que são. Pelo que, depois, sozinho, sem qualquer cabrão velho como companhia, ele desceu para a aldeia, onde era aguardado para a glorificação final. Na aldeia não sabiam é que a natureza já estava a providenciar uma moléstia, nunca diagnosticada por ali, que viria a dizimar todos os exemplares machos da espécie antes da época de cobrição. O Marquês.