O patrono Shakespeare. Há uma tendência à dramatização da e na política que não ajuda a percepção da sua realidade. Convém não esquecer que política é política – isto não é pleonasmo – e, por isso, a sua análise deve ser feita com termos, roteiros e registos adequados às suas características. Daí que a assunção do exercício político como novela representada tenda ao logro. Claro que para os gentios é fácil perspectivar a política assim, porque, sobejamente familiarizados com telenovelas, percebem os enredos, os esquemas e os dispositivos da trama, a amizade, o apoio, a lealdade, a competição, a inveja, a traição, o engano, o castigo, o prémio. Decorre deste facto não apenas a compreensão da farsa – isto é, o máximo de consciência política possível dos gentios –, mas também a própria sustentabilidade da farsa. E da hipótese de uma ordem democrática derrapa-se para um regime demagógico ou populista, regulado por audiências e auditado por demoscopias que suportam a ilusão de vigilância política e de atenção e consulta ao povo, além da ilusão de vínculo e conectividade entre eleitos e eleitores. Portanto perspectivar a política nestes termos, que é o que a maior parte dos comentadores faz, nomeadamente os comentadores televisivos, contribui para encerrar-nos no plano do simulacro, onde as opções e as posições políticas e aqueles que as protagonizam são sobretudo fantasmas, não realidade. Ainda bem que é assim. Quase já ninguém suporta a realidade. Nicky Florentino.