o fim de Maricelo Montes, o murcho. A vida custava-lhe. A vida custa a todos, mas parece que, por contrariedades muitas, a dele custava mais ainda, como se sobre ela incidisse uma taxa suplementar de desgraça e dor. A família, pais e irmã, morrera num acidente automóvel. A quantidade de desamores e humilhações por que passara era maior do que o elenco das estrelas. Os negócios em que se envolvia tendiam a resvalar de mau para pior, facto que teve como consequência um acumulado de falências. Para além disto, há muito que o património da casa, parco, havia sido liquidado. Poupanças não tinha. Era gago, disléxico, míope e canhoto. Tinha um hálito bafo-de-onça. E mesmo assistido, era-lhe difícil conseguir uma erecção e, se a conseguia, ejaculava em instante com duração inferior ao tempo de ignição de um fósforo. Como se este rol de misérias não fosse suficiente, o excesso de peso impedira a sua admissão no curso de saltos com paraquedas que desejava. Os braços curtos e os dedos grossos não lhe permitiam manipular com destreza armas com o calibre necessário. Tinha aversão a gumes e o sangue impressionava-o deveras. Desde pequeno não simpatizava com martelos. O cheiro da gasolina ou do diluente provocava-lhe náuseas. Saltar de um edifício alto estava fora de questão, porque padecia de vertigens e era mais perigoso do que saltar com paraquedas. Deglutir drageias até à overdose ia contra os seus credos moral e religioso. A solução que preferiu foi, por isso, óbvia. Pegou um berbequim, ligou a respectiva ficha à tomada de electricidade, embuchou-o com uma broca de doze milímetros com cabeça de diamante, encostou-a à tempora direita e, como se fosse um gatilho, primiu o botão. A broca afundou-se sem dificuldade. O caso, porém, não terminou com o acto referido. É que, registe-se, no momento do eclipse ele não sentiu desfilar a habitual sequência de fotogramas que sumula a vida. Até ao passamento, até ao derradeiro sopro de vida, o seu espírito esteve ocupado integralmente com uma interrogação de motivo aviltante, o pénis do Wolverine é de adamantium? o Marquês.