A expiação do ciúme. Estavam no centro da sala, exactamente no centro, porque a forma da sala era circular. Ele segurava-a com firmeza. Uma mão sobre as suas costas proporcionava que, durante a dança, encontrassem os torsos. Ele liderava os passos. Quase todos observavam o casal com emoção. A sala era faustosa. Irrompiam figuras celestiais e ornamentos magníficos da parede, celebrando, com detalhe e a talha dourada, a opulência própria das armas da estirpe dela. As janelas eram rasgadas de baixo a alto e guardadas por cortinados bordados esplendorosamente. Quase todos observavam o casal com emoção. Friedrich Kurtz era o único presente sem padecer esse abalo emotivo. Por isso, quando o candelabro de cristal que iluminava a sala se abateu sobre os dançantes, perante a consternação quase total, mais do que qualquer outra pessoa, Friedrich aproximou-se dos corpos prostrados sob o lustre. O sangue estendeu-se em mancha sobre o soalho, contornando-lhe os sapatos. Os corpos, dela e dele, iam ficando exangues. Ele jazia. Ela, chocada, ventilava com dificuldade evidente, através de sopros cortados e curtos. Sem que alguém se apercebesse, simulando socorro, Friedrich separou-lhes as mãos. Depois retirou do peito dela um pendente do candelabro que aí se havia cravado, ao mesmo tempo que lhe deixou perceber a sua presença ali. O corpo dela estremeceu, como se indiciasse uma tentativa de esquiva. Os seus olhos arregalaram-se. Sem esforço, Friedrich manietou-a, fingindo continuar o seu cuidado. Depois debruçou-se sobre ela e murmurou-lhe sim, fui eu, meu amor, não foi um acidente. E, vigiando-lhe a agonia, guardou-a até expirar. O Marquês.