O conto do monte de Óbidos. Isto é uma fábula, nada mais do que uma fábula. Havia um canil. Um dia, para escrutinar a administração do canil, houve eleições. As matilhas organizaram-se, mobilizaram-se, dividiram-se por cores e doutrinas, cumpriram o folclore canídeo próprio deste tipo de circunstâncias. Muita corrida, muito ladrar, muito latir, muito uivar. Apurado o resultado, houve um cão que, por a sua matilha ter obtido um score eleitoral que não lhe permitiu continuar a alcandorar-se na administração do canil, abalou. Antes, porém, enterrou um osso, acautelando a hipótese de querer voltar a roê-lo. Depois enrolou-se e, de quando em quando, lambeu o próprio pêlo. Em solidariedade, outros foram-lhe lambendo o pêlo também. Na frente atlântica, o mar batia em Cortegaça e dissolvia o chão do canil. Nada de novo ou muito novo. Até que, entretanto, ao cão, aquele, tornou a vontade de roer o osso. E aconteceu que precipitou-se para o local onde sabia que o havia enterrado. O problema foi que, ao chegar lá, viu o osso entre as mandíbulas de outros cães. E começou a disputa. Não há latidos. A hora, agora, é de rosnos. Mas só numa casota. Enquanto não haja mordidas, o canil permanecerá sossegado. E cada cão uivará à sua lua, au!, auuuu!, auuuuuuuuuuuu!, lamentando a sorte de ser cão como os outros não são. Nicky Florentino.