Ainda o regime bellum omnia omnes. Tanto Hobbes quanto Spinoza sustentaram que há uma diferença significativa entre demos e multitude. Por outras palavras, uma coisa é o povo constituído, sob juízo, em ordem e representado, outra coisa é o colégio de gentios, conjunto de exaltados, assanhados e empregues em si mesmos enquanto turba, largados na rua. Neste sentido, a «rua» é um mundo e, se é instituição, é uma instituição informe, dúctil, irresponsável, tudo e nada, uma instituição não institucional. Daí que contra a «rua», para a ultrapassar e controlar os seus efeitos potencial e provavelmente perversos, seja necessário constituir instituições duras, de segunda vontade, de segunda ordem, sine ira et studio. É um facto que a «rua» é autêntica e suscita atenção. Porém, a «rua» não é um corpo representado, são os corpos presentes, volantes. A «rua» sobretudo clama, reclama, transpira e uiva. Ou seja, a «rua» é popular, não é democrática. É por isso que há uma tensão entre a «rua» e as instituições duras e certas, cínicas, de gabinete. Na prática, de um lado os gentios soltos, do outro os senhores resguardados. Pelo que, seja na urgência, seja na paciência, ninguém nos vale. Nicky Florentino.