Aporia. Em termos ideais, em qualquer acto eleitoral o voto em consciência é a solução. Mas é também o problema. Atente-se, por exemplo, no caso do agendado referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, a expressão eufémica de aborto. No que tem merecido publicidade, a campanha tem sido bastante animada por hostes assanhadas e exaltadas tanto de uma quanto de outra tendência. Há quem clame com orgulho «na minha barriga ordeno eu!», quase como manifestasse I love the smell of abortion in the morning, arrolando, em sintonia, um conjunto de argumentos fundamentados, apostando nomeadamente na diferenciação entre o estatuto da mulher e o estatuto da fêmea. E, do outro lado - o piedoso -, há quem manifeste a convicção que o embrião é o mínimo orgânico da condição humana e, neste sentido, o direito à vida do nascituro prevalece sobre o arbítrio da hospedeira, a fêmea cativa da lotaria biológica, o que, por esta perspectiva, também tem fundamento. O que significa que, feita a ronda pelo argumentário de uma e outra banda, a solução e o problema permanecem. Descartes está morto. Nicky Florentino.