A ordem dos limiares. A sociedade, essa inexistência que nos congrega, esteia-se sobre um ror de convenções. Parte dessas convenções está associada a prazos, idades. Há um prazo para levar a primeira vacina, há um prazo para começar a sofrer o primeiro ciclo do ensino básico, há um prazo para concorrer à habilitação de condutor de veículos motorizados e aí por diante, prazos relacionados com a idade de cada criatura. Porquê? Em rigor ninguém sabe, mas parece que, assim, as coisas se organizam mais facilmente. Emite-se uma certidão de nascimento e, a partir da data da parição, começa a contar uma miríade de prazos que afectam o nascido. Espanta, pois, que alguém destile sanha quando se admite instituir até que momento é lícito abortar ou, em versão elegante, interromper voluntariamente a gravidez. Porquê as dez semanas? Por que não nove semanas e seis dias? ou por que não dez semanas e um dia? Por convenção, obviamente. Ou, se se preferir, por sugestão da entidade soberana, a tal besta que, segundo Carl Schmitt, tem a capacidade de, mediante decisão, definir o estado de excepção, que é mais ou menos o mesmo que o avesso da regra. E que, segundo Walter Benjamin, para os degraçados é a própria regra. Segismundo.