Va bene ou talvez não. Já em idade de ter juízo, o coitado de um tal Agostinho tornou-se beato e, pior, manso. Em grande medida, foi uma espécie de antecipação neoplatónica de Pangloss, mas em desgraça superior, curvado com maior ângulo a um absoluto divino que, por delírio ou mania, lhe deu para vislumbrar. Foi já sob condição beata e mansa que, no capítulo décimoprimeiro do livro sete de Confessiones, escreveu coisas como esta, Et inspexi cetera infra te, et vidi nec omnino esse nec omnino non esse: esse quidem, quoniam abs te sunt, non esse autem, quoniam id quod es non sunt. * Depois pôs-se a malabarismos, versando sobre a corrupção das coisas. Sustentou ele que a corrupção das coisas até pode ser coisa má e tal, mas porque deuspodetudo assim dispôs, as coisas, na sua concertação plena, todas e por tudo, compõem o bem. Daí o famigerado corolário, há males que vêm por bem. Talvez. Mas o problema na equação do mundo não é mais os males do que é os bens. Sim, bens, no plural. Porque isso do bem, enquanto categoria suprema - e, portanto, putativamente inequívoca -, é como a chuva. Se chove, é provável que a novidade fique viçosa, mas não se vai para a praia apanhar sol. Berlin explica. Segismundo.
* “E observei as coisas abaixo de ti e vi que nem em absoluto são, nem em absoluto não são: na verdade, são, porque procedem de ti, mas não são, porque não são aquilo que tu és” (in Confissões, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2004, p. 159).