O rapaz que se apaixona por mulheres das páginas do tempo
# Um
Ele contou-me todas as suas tristezas, as pequenas, as assim-assim e as grandes. Estes são alguns dos pormenores do seu caso. Dito-os para arquivo, para que, como sumário, constem do respectivo processo.
Há dez anos, ele apaixonou-se exactamente no primeiro dia de Junho, logo de manhã, quando mudou a página do calendário. Aquela era a mulher para a sua vida, sentiu e desejou ele, mais do que pensou. Em consequência, o seu primeiro acto de expediente naquele dia foi escrever um pequeno bilhete de atenção à mulher do calendário, bilhete que nunca mereceu resposta. Em esperança, ele manteve a página do mês de Junho à mostra até ao último dia de Setembro. A um de Outubro, porém, desvairado por a sua paixão não ser correspondida, ingeriu uma dose exorbitante de barbitúricos e deixou o corpo deslizar, dormente, quase zombie, entre a marabunta da cidade. Sem amparo, convulso, caiu no chão. Foi levado para o hospital. Aí, para além da intoxicação devida à ingestão excessiva de comprimidos, diagnosticaram-lhe um ror de males de foro psíquico. Permaneceu internado e sob vigilância clínica apertada até ao final do ano passado. Quando regressou ao mundo, à ordem de fora, arranjou emprego numa pequena vulcanizadora. O seu trabalho é simples, desmontar e montar pneus de automóveis ligeiros, o que, afirma o seu patrão, ele faz com destreza. Aliás, todos os dias é o primeiro a chegar ao emprego. E desde o princípio do ano que o calendário junto ao seu posto de trabalho está na página do mês de Julho. Desta vez, dizem, ele apaixonou-se antes do tempo, não esperou pelos calores de verão. Eliz B.
# Um
Ele contou-me todas as suas tristezas, as pequenas, as assim-assim e as grandes. Estes são alguns dos pormenores do seu caso. Dito-os para arquivo, para que, como sumário, constem do respectivo processo.
Há dez anos, ele apaixonou-se exactamente no primeiro dia de Junho, logo de manhã, quando mudou a página do calendário. Aquela era a mulher para a sua vida, sentiu e desejou ele, mais do que pensou. Em consequência, o seu primeiro acto de expediente naquele dia foi escrever um pequeno bilhete de atenção à mulher do calendário, bilhete que nunca mereceu resposta. Em esperança, ele manteve a página do mês de Junho à mostra até ao último dia de Setembro. A um de Outubro, porém, desvairado por a sua paixão não ser correspondida, ingeriu uma dose exorbitante de barbitúricos e deixou o corpo deslizar, dormente, quase zombie, entre a marabunta da cidade. Sem amparo, convulso, caiu no chão. Foi levado para o hospital. Aí, para além da intoxicação devida à ingestão excessiva de comprimidos, diagnosticaram-lhe um ror de males de foro psíquico. Permaneceu internado e sob vigilância clínica apertada até ao final do ano passado. Quando regressou ao mundo, à ordem de fora, arranjou emprego numa pequena vulcanizadora. O seu trabalho é simples, desmontar e montar pneus de automóveis ligeiros, o que, afirma o seu patrão, ele faz com destreza. Aliás, todos os dias é o primeiro a chegar ao emprego. E desde o princípio do ano que o calendário junto ao seu posto de trabalho está na página do mês de Julho. Desta vez, dizem, ele apaixonou-se antes do tempo, não esperou pelos calores de verão. Eliz B.
fotografia 1996 © Peter Lindbergh e Pirelli
fotografia 2006 © Merl Alas, Marcus Piggot e Pirelli
fotografia 2006 © Merl Alas, Marcus Piggot e Pirelli