Escala de Sísifo, ii. Há momentos de torrente. Sente-se uma espécie de ausência e a mão a corresponder e a executar frases exactas e conexas, sem necessitarem de reparo posterior. Esses momentos são momentos falsos. O corpo empresta amparo mediúnico, concedendo expressão a uma energia cuja origem se desconhece, se telúrica, se sideral. A mão corresponde como um cavalo. Elegante, em trote veloz, certo o chão, certo o ritmo. Pasma o encontro, a sintonia, o arrumo das palavras. Tudo exacto, como se fosse uma pulsão orgânica conduzida por algo transcendente. A sensação é excessiva, mas é essa a sensação. Tornam-se irrelevantes os casos inscritos na agenda do foro de fora. A mão galga. Rapidamente ultrapassam-se alguns dos impasses registados em tantas páginas, folhas, entregues à pendência da espera, do retorno. Pela mão a irreverência, a insolência também, a insolvência, a incoerência. De permeio são vertidos e gravados poemas, mais textículos, ensaios. Esboçam-se composições, arriscam-se formas. A mão corre, mas falha. A torrente é mais forte. Quando tudo se tenta compreender, registar, falham os braços também. Perante a vertigem, são sem alcance e ritmo suficientes. E começam a perder-se e a apagar-se palavras, primeiro, e frases, depois. Há um proveito de salubridade na demora, na incapacidade de corresponder. Porque a mão tarda, vinga o branco, o silêncio escrito, a voz apagada no papel. Segismundo.