Arqueologia do futuro que se pressente. Os bilhetes de comboio ou de metropolitano deixados, como marcadores, entre as página dos livros assustam-o. Assusta-o, por exemplo, saber quando leu pela primeira vez O Bosque Harmonioso, de Augusto Abelaira, ou A Maçã no Escuro, de Clarice Lispector, ou O Livro das Comunidades, de Maria Gabriela Llansol, ou Photomaton & Vox, de Herberto Helder. Os tais bilhetes, como elementos arqueológicos, fazem-no cheirar a sua morte. Talvez essa sensação seja apenas uma decorrência circunstancial, produto de um fulgor da impaciência ou de insolência. Talvez. Mas é sobretudo o tempo, a sua marca, o seu ferro, deixado entre as páginas daqueles e outros livros, que o perturba. Desconhecia ele que pudesse sobreviver a determinadas distâncias, resistir sobre elas, e enfrentar as cicatrizes da passagem por aí. Com a memória há uma morte que se aproxima, pressente ele. Que se foda. Há muito tempo que ele deixou de utilizar bilhetes de comboio ou de metropolitano como marcadores de livros. O stock acabou sabe lá ele quando. Para saber tinha que fazer contas, pensar. E isso não é ignorância que o inquiete. Assim como não o inquieta o facto de os recibos da auto-estrada e do combustível para o automóvel serem elementos que a contabilidade não dispensa para servirem de marcador dos seus intervalos de leitura actuais. O rasto de tempo branco que vai ficando nos livros mais recentes inspiram-lhe uma sensação de imortalidade, presença permanente, como se não tivesse antecedentes. Envelhecer por ler, isso, é que não. Antes morrer novo. Segismundo.