Ciência. Como se disputa vital fosse, discutiam sobre o instrumento que mais facilmente permite alcançar a carne. Se a agulha de uma seringa, se a lâmina de um bisturi. A discussão prolongou-se, ad nauseam, sem que sentença ou consenso lograssem. Estavam entretidos neste vaiquenãovai científico quando Donato, num assomo positivista, propôs que, em derradeiro modo de escrutínio, fosse ensaiado um exame empírico, de modo a que, com prova substantiva, material, dos factos, sem apelo, fosse possível sentenciar-se que instrumento mais facilmente permite alcançar a carne. O método decidido foi o método comparativo. Na mão direita de um indivíduo cravar-se-ia uma agulha. A mão esquerda do mesmo indivíduo seria rasgada por uma lâmina. Para além disso, tanto a agulha quanto a lâmina teriam que ser esterilizadas. Reunidas as condições, Donato encerrou-se no laboratório, coadjuvado por três assistentes e observadores. Entrou o indivíduo escolhido. Na sua mão direita foi cravada uma agulha. A sua mão esquerda foi rasgada por uma lâmina. Os resultados foram inconclusivos. Embora instrumentos diferentes, feita a verificação, ambos pareceram aceder em igual tempo à carne. Houve necessidade de continuar a experiência. Em mais mãos direitas foram cravadas agulhas. Mais mãos esquerdas foram rasgadas por lâminas. A partir de determinado momento, porém, o que motivava Donato ja não era a senda da verdade. O que o movia era o esgar dorido dos que, ai, ai, emprestavam as mãos à ciência. O Marquês.