Captações in A Majestade do Xingu*
.......“É noite fechada quando ele chega ao destino. Caminhando pelas ruelas da pequena cidade chega a uma casinhola de tábuas arruinada nos fundos de um terreno baldio. Ali está, a esperá-lo, a família - mulher, oito filhos (outros seis já morreram). Olhem o que eu trouxe, anuncia, feliz. Abre o pacote, mostra o braço. As crianças aplaudem, entusiasmadas; atraídos pelo barulho, outros membros da tribo - vivem todos ali perto - aparecem e decidem fazer um grande banquete naquela noite mesmo. A alegria é geral; o irmão de José, brincalhão como ele só, diverte-se atirando o braço para o ar e gritando, olhem a nossa comida pulando. E aí se estabelece uma discussão, não há consenso sobre a forma de preparar a refeição. Trata-se de uma polêmica recente na história da tribo; antigamente, toda a carne era simplesmente assada nas brasas, mas o contato com o branco, em outros aspectos tão deletério, ensinou a tribo a sofisticar a culinária. Uns querem preparar o braço cozido; outros, querem fritá-lo em banha; e até mesmo a possibilidade de estrogonofe é levantada. Mas a fome é muita, acabam por assá-lo de qualquer maneira e comem-no naquela noite mesmo. Não chega a ser uma lauta refeição; bracinho pouco musculado de sapateiro judeu há meses sem trabalho não é exatamente sinônimo de abundância em matéria de carne”.
* Scliar, Moacyr (1997/2000), A Majestade do Xingu, Lisboa, Editorial Caminho, pp. 76-77.