Hoje. Ele está com vontades. Apetece-lhe cozinhar. Coisas simples. Ou coisas requintadas. Apetece-lhe dizer foda-se. Muitas vezes. Se se justificar, ele admite repetir. Apetece-lhe comer Häagen Daz. E bolacha baunilha. E fazer açorda. Apetece-lhe correr. Rir com o Sueco. Chamar nomes às gajas. Reler Musil. Apetece-lhe ir ao castelo. Fazer barulho. Falar alto. Beber Sagres preta. E Bushmills. Falar com o Jaiminho. Gozar as lamúrias do Silva, o Jorge, o rapaz a quem as semanas nunca correm bem. Os amores são filhadaputa. Dizer mal do senhor presidente da Câmara Municipal. Da senhora presidente da Assembleia Municipal também. Pegar na espingarda de pressão-de-ar, enfiar o capacete de mineiro e, à noite, atirar aos passarinhos. Apetece-lhe cheirar salsa. Beber café. Um, dois, três, mais. Que sejam bons. Apetece-lhe conspirar. Mandar cinzeiros ao chão. Jogar matraquilhos. E flippers. Contar estórias de quando as balizas eram sob os bancos baixos do jardim em frente ao café Central. No jogo, dois contra dois, os enleios, as fintas, os passes, os remates tinham que ser precisos. Para que os taxistas, estacionados ali ao lado, não apanhassem e escondessem a bola. Os cabrões. Contar as estórias das operações ph. Das barreiras fatais. Da fisgada que ia deixando cego o outro puto. Das flechas com os canocos do pântano. Do pântano que já não há. Da guerra total. Dos kiowas. Das noites inteiras a jogar à batota e a ouvir música maluca. Apetece-lhe escutar as estórias do Zé Vitório. Dizer que o Sokota não vale uma merda. Que o senhor primeiro-ministro anda armado em antónio. E que Portugal é uma latrina onde o ar há muito tempo se tornou nauseabundo. Apetece-lhe reler dois ou três álbuns do Spirou. Rir. Tocar djambé. Ou baixo. Chamar lobinho nódoa ao lobinho. Ir à feira do livro. Ir à Cave Real. Ir à Gare comer chamuças e beber imperiais e comer pudim de queijo. Falar sobre Simmel. Ou Montaigne. Acelerar. Fazer rodopios. Puxar o travão de mão. Porra!, já não há aquele piso de paralelos. E ir ao cinema. Sozinho. Sem ninguém mais na sala. Apetece-lhe passar pelo jardim das flores de aço de onde se vê o mar. Apetece-lhe ir à Zé dos Bois ouver Fish & Sheep. Apetece-lhe evoluir de jipe, à noite, pelos pinhais. Apetece-lhe chatear as sobrinhas mais velhas. Irritá-las, mesmo. E depois devolvê-las às respectivas mães. Para poder chatear a mãe. E não ouvir as suas reclamações. Apetece-lhe falar, falar, falar. Fazer combinações. Mas, se ele é quem é, vai ficar quieto e calado. Mandar foder isto tudo, a puta da vida. E
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