O grande eleitor. O episódio da dissolução da Assembleia da República suscita perplexidade, no sentido em que, por ele, foi revelado algo que surge contrário a uma concepção serena – e, por isso mesmo, cínica – do que é a democracia. A democracia é uma ordem política escorada num conjunto de princípios, um dos quais a soberania popular. Se o senhor presidente da República foi eleito, também a Assembleia da República, ainda que a granel, foi eleita. Não faz sentido, pois, que uma entidade eleitoralmente constituída possa sobrepor-se a outra também eleitoralmente constituída. A não ser, claro, que, no caso vertente, se considere o senhor presidente da República um, o único, grande eleitor da pátria. Mas, se assim for, que não se chame democracia à pátria «democracia». Pois o grande eleitor não é – e tão pouco substitui – o colégio de gentios chamado povo. É, antes, um xis, uma incógnita qualquer. Tipo bola de flippers. Que, depois de lançada, é difícil em controlar. Nicky Florentino.