Natividade. A anunciação segundo L., o terceiro escrivão dos factos. Ela chamava-se Maria. Ele chamava-se José e de arte e ofício era marçano. Um dia, era a Primavera ainda breve, estugados começavam a ser os dias, quando, depois da jornada na carpintaria, chegado à casa do matrimónio, soube o José, que ainda não havia ousado afundar a sua virilidade na carne de Maria, que no bucho dela raiava uma esperança de gente. O José, homem sabedor a olho de quanto solho é necessário para cobrir o chão de uma cabana, estranhou o facto. Porque não adivinhava o que era isso da ficção científica, conhecia ele que à gente não acontece o que acontece às papoilas, geração espontânea. E que era então ainda ditada ordem da natureza que para encher o ventre de uma mulher necessário era que, antes, um homem se lhe chegasse e mais. Quis ele, pois, e por compreensível motivo, esclarecer o mistério e saber a causa do facto. Contou-lhe Maria, então, que uma libélula, com grandes asas, lhe havia falado. Que se chamava Gabriel, a dita libélula. E que lhe havia calhado a ela, imaculada, ainda não dada a qualquer homem, a graça de nutrir no seu seio uma semente de vida soprada para dentro de si por divina e superior vontade. Também a ela lhe pareceu estranho o facto. Mas persuasiva foi a libélula, informando Maria que alguém há que tudo pode e que incrédula ela não devia estar, pois Isabel, sua parente e esposa do sacerdote Zacarias, apesar de infértil como chão de cinza e velha, ia já no sexto mês de graças, por atendida haver sido a súplica do respectivo marido, desejoso de prole. Não esboçou Maria a intenção de ouvir Zacarias sobre o caso. Sabia ela que o velho andava mudo desde um dia em que, em funções de ordem à turma, queimara incenso no altar do santuário. Por isso, sem poder falar, nada ele lhe poderia dizer ou confirmar.