Elizabete. Eram da cor do sol os cabelos de Elizabete, dourados, como se fossem fios de ouro, um tesouro. Eram eles, com o seu brilho, que lhe iluminavam a face, alva, alvíssima, pálida como toda a demais pele do seu corpo. Com manias de brasonada e convicta da sua beleza, Elizabete dedicava meticulosos cuidados a si e, em particular, aos seus cabelos, fosse na lavagem, com essências e extractos vegetais que lhes emprestavam perfume e aveludada maciez, fosse na escovagem e penteio. Três eram as aias, com dedos finos e longos, encarregues de velar pelos seus cabelos. Um dia, uma delas, enquanto entrançava os cabelos e, entre eles, dispunha um cordão de pérolas, para além de ter feito um arranjo inestético, magoou Elizabete. Como consequência, uma pequena dor, do aguda, entrou em si, por um fio capilar. Então, virou-se para a aia, olhou-a com inundada raiva e, como se possessa estivesse, cravou as suas tratadas unhas nas decobertas carnes da imprudente aia, face e mãos, rasgando-as e descobrindo-lhes o sangue. Poucas gotas de sangue caíram-lhe sobre uma das mãos e, por a terem rosado levemente, pareceu a Elizabete terem tonificado a sua pele. A partir desse instante começou a sangrar as jovens que a serviam. Consta que por estar obcecada com a sua beleza e pretender preservar a sua jovialidade da erosão que o correr do tempo transporta. Mas não foi tanto essa obsessão que a motivou. Foi sobretudo a alegria, o gozo de assistir ao martírio sangrento das vítimas. Isso, mais do que qualquer seiva essencial de virgem vertida em selhas de banho, era o bálsamo da sua epiderme. Foi também isso a sua desgraça. O Marquês.