Repetir ontem. O meu corpo reclama. Os meus olhos também. Já não vejo aquele rapaz de que te falei e que voltei a encontrar na madrugada de domingo. Já li o livro do Blaise Cendrars que ele, como surpresa, me deixou no tapete do hall de entrada. Sabes?, ontem ele abraçou-me na rua, quando, descida a Nova da Trindade, encontrámos a Garret. Esteve muito tempo a tocar-me e a olhar-me a face. Parecia que estava a fazer um reconhecimento. As outras pessoas passavam, algumas olhavam, mas ele não se importou. Não estranhei. Embora estivéssemos cercados, os seus gestos fizeram-me sentir numa bolha íntima, como que fundidos. Ele segurou-me, olhou-me nos olhos, nada disse, como se me estivesse a contemplar, e, depois, abraçou-me, num abraço longo, como se pretendesse abrigar-se em mim. Senti-o meu, entregue, como nunca tinha acontecido antes, na rua. Houve exibição no acto. Mas a exibição foi para mim. Agora ele já não está aqui, ao meu lado. Ele foi para longe, para o jazz. É por isso que, hoje, a noite está mais fria e me arde, como nunca me ardeu, a espera. Não vou dormir, não consigo. Vou ficar à espera. Ele sabe onde eu moro. Ele não sabe que quero falar-lhe sobre Cendrars. Que quero encontrar-lhe o peito. Que quero as minhas mãos nas suas costas. Que quero repetir, tudo. Mas sabe que a porta do quarto está aberta. É um sinal para ele. Vem, não demores, rapaz. Começo a sentir que a tua falta, a tua ausência, afinal, também se sentem. Ardem-me. Ardem-me muito. Espero um socorro neste incêndio. Escreveu-lhe ela. Segismundo.