O louco do fim da rua. O senhor António, que mora algures no fim da rua Teófilo Braga, rogou-lhe atenção. Debitou a ladainha do costume. Disse que foi amaldiçoado por um mágico do exército. Não é mania. Ele vê sombras lá em casa. E frequentemente vê-se aflito, queixou-se ele. Como se tivesse um nó de fogo dentro na barriga, explicou ainda. A origem do mal foi um copo de vinho com droga que lhe deram lá no quartel, em Lisboa, vai para aí um ror de anos. A fraqueza da cabeça decorre daí. Suspeita ele que lhe deram a droga por ordem, combinada, do exército e do fulano, o mágico, que lhe queria mal. E queria-lhe mal porquê?, por inveja. E disse também que a rapariga da ervanária tinha essa mesma ideia sobre o assunto. Concerteza que o mágico não lhe queria bem, mas mal, disse-lhe ela. Antes de se calar, o senhor António falou, falou muito. Arrumou finalmente o discurso, o senhor António, assim, tenho o juízo enfraquecido, mas tenho uma caligrafia alto lá com ela, que até admira um general. Sou capaz de escrever a uma rapariga por quem esteja enamorado. Eu sou inocente. E deus sabe disso há trinta e dois anos. Sabe?, senhor, deus é um espírito invisível, que pode e sabe tudo. Sabe, por exemplo, que me chamaram filho da puta só por eu ter dito boa tarde. Deus tem poder para tudo, tem um poder glorioso, e vai salvar-me. E matar o mágico que me fez mal. O senhor acredita nisto?, não acredita? Ele mentiu, respondeu sim. Segismundo.