Confutatis maledictis. Não digo. Hoje chorei. Depois não suportei estar no Nimas, saí antes, muito antes, de o filme acabar. Terei de lá voltar. Hoje chorei. Mas não digo. O apetite falhou-me. A fome também. Senti o corpo a quebrar-se, como se tomado por uma anestesia. Há uma falta que me corta, rasga, sangra. Refugiei-me em casa. Não digo, não confesso, mas senti-me só. Estranhei a casa. Faltou-me a coragem para abrir a varanda, para espreitar o rio. Há frio lá fora. Não sei das tuas mãos. Hoje reencontrei um poema da Gabriela Llansol. Não digo qual. Sedução.
Não há mais sublime sedução do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, os objectos em sua função, sejam eles
A boca, os olhos, ou os lábios. Treinar-se a respirar
Florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta.
Velar as janelas com um suspiro próprio. Conceder
Às cortinas o dom de sombrear. Pegar então num
Objecto contundente e amaciá-lo com a cor. Rasgar
Num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
Firme. Conter. Arrancar ao meu sexo de ler a palavra
Que te quer. Soprá-la para dentro de ti
até que a dor alegre recomece.
Quero apenas, pelo que talvez diz de mim, que este poema seja para ti. Hoje chorei. Não digo. Também não escondo. E estive a dizer palavras, textos, sobre o som de Festina Lente, de Arvo Pärt. Começo a gostar deste jogo. Mas começo também a perceber que só faz sentido se for partilhado, se merecer a audiência exacta. É por isso que repito, repito para ti, fazes-me falta. Quero as tuas mãos. E não troco a boulevard pelo resort. Hoje chorei, não sei se te disse. Se disse, não quis dizer. Às vezes, tantas, acontece, engano-me. Boa noite. Escreveu-lhe ela. Segismundo.