Neste tugúrio, pouco ou nada se passa, pouco ou nada se trespassa. Mas é tudo, em tragédia, nosso. Dos que aqui se domiciliam. E também dos que, com necessária desfaçatez ou atrevimento, para aqui espreitam. (E destes, dos voyeurs, há-os de dois modos. Há os que vêm voluntariamente cumprir um mau destino. Há os que vêm tresmalhados, como aqueles que, por esse prodigioso oráculo chamado google, querem saber sobre mistérios como «comportamento de cães em albergue», ou «cheque devolvido cavalheirismo», ou «Luiz Pacheco franca blog engenharia civil»). Vale tudo, pois. Inclusive o engano.
Não espanta. A comédia da vida resulta do facto de ela, a vida, ser uma imitação farsante de si mesma, que é originalmente uma forma sofrida e enganada de ser. É por isso que, no plano epistemológico, a vida convida à ironia e contrata-se com ela. Não à ironia de primeiro grau, socrática. Mas à ironia limite, de segundo grau, de Sanches.
Por a estúdia, a verdadeira estúrdia, acontecer lá fora, no mundo chão, no mundo das gentes indiferenciadas, onde há cães, é por lá que, agora, se prometeram viandar os danados daqui. Vão prometidos sem urgência, contra horizonte e com regresso incertos. Vão desopilar. E nesta circunstância, por as promessas serem expedientes de macios – criaturas sem qualquer vínculo vital ao prometido – ou de dogmáticos – criaturas que se suicidam se não conseguem cumprir o prometido –, o que há a dizer condensa-se na expressão au revoir. Sabe-se lá quando. Quando as danadas oportunidades e vontades surgirem conjugadas. Pois a puta da vida é a puta da vida, não é a vida exacta, a vida da saudade, a vida do retorno certo. O regresso acontecerá, pois, quando acontecer. Nem antes, nem depois.
Entretanto, neste albergue sem chão, sem paredes, sem tecto, nada, as portas e as janelas ficam, como desde o princípio, abertas, porque isto, aqui, não é um abrigo. É uma destilaria de desassossegos, inquietudes. Seja como for, é verdadeiro e sentido o selo inscrito no limiar deste lugar. Heaven can wait. Segismundo.