O homem olhou, mirou, observou de modo demorado o copo. Fechou e abriu os olhos repetidamente, como se esse gesto lhe permitisse esclarecer a embriagada visão. Ao mesmo tempo, em vário ensaios, treinou os lábios, como se estivesse a preparar o beijo da vida. Em determinado momento balançou aparatosamente o corpo, junto com a mesa, mas sem derramar o conteúdo do copo. Cerveja preta. Sagres. Reconquistado o equilíbrio, sorveu a sobra do lúpulo fermentado. Confirmou o fundo do copo vazio. Constatou a garrafa de zero trinta e três também vazia. Indiferente ao cerco, embalou, então, a cabeça ao som da música de um spot publicitário que passava na televisão. Saciado, celebrava a vitória, a sua vitória. Era-lhe indiferente o anúncio, chegava-lhe, para satisfação, o friso musical que preenchia o ar morno da tarde. Não demorou, porém, a apertar a sede uma outra vez. Nesse instante, suspendeu o ritmo a que embalava a cabeça. Compôs-se na cadeira. Reencontrou o jeito, os modos. E mais uma cerveja, se faz favor, pediu, com o braço levantado e o indicador a apontar para o tecto, a chamar a atenção. Preta, uma cerveja preta, precisou, ele, o pedido. Depois, tornou a encontrar-se com a música. E recomeçou a balancear a cabeça. Como quem tenta espantar a tristeza que se lhe percebia pregada no corpo e na idade. E que a cerveja, preta, mesmo no seu excessivo excesso, não conseguia afugentar ou iludir em disfarce. Segismundo.