Existe a ilusão de que, por via da eleição, do acto de dar o voto – é assim que o experimentam muitos gentios –, o eleito fica a dever algo ao eleitor ou que este tem um crédito sobre aquele. Na prática, a ficção da soberania do povo autoriza e nutre o desejo de tornar o eleito uma marioneta, um fantoche, que gesticula e verbaliza o que a vontade do eleitor lhe empresta. Os gentios só percebem a ilusão quando se desiludem. Quando constatam que nenhum dispositivo de controlo pessoal e particular detêm sobre a quem sentem que deram o seu voto. E, por aí, revolvem a própria miséria com a sensação de terem sido espoliados. Sem jamais abandonar, no entanto, a fenomenologia que os faz sentir parcela da entidade soberana. É por isso que nunca saem do engano que os engana. Uma fatalidade. Nicky Florentino.