Caminhavam abraçados. Notava-se nela a embriaguez da paixão. Falava. Gesticulava. E sorria. Sorria muito. Entretanto, esquivou-se ao abraço, ela. Correu. Saltitou, estendendo o braço direito, como que tentando agarrar o céu. Depois parou. Sorriu para trás, para ele, que caminhava pausado, com as mãos aconchegadas nos bolsos das calças. Ela começou outra brincadeira, então. Abriu os braços e, oscilando-os para cima e para baixo, alternadamente, fingiu planar. Passou por ele, em passos pequenos e sincopados, inclinando também a cabeça para um lado e para o outro. Ele sorriu, embora com embaraço. Ela, indiferente, continuou a planar. Curvou. Tornou a passar por ele. E, ainda embalada no gesto do planador, jogou-se para o outro lado da avenida Cinco de Outubro. Foi atropelada por um Citröen Ctrês. Aflito, ele, destrambelhado, começou a gritar, Paixão!, paixão! Ela, caída, desmaiada, não respondeu ao apelo. O carro, brusco, havia-lhe encontrado uma anca, projectando-a contra o asfalto. Ele, ainda mais destrambelhado, continuou a gritar, Amor!, amor!, amor!, ao mesmo tempo que corria para o corpo dela. Os voyeurs, atraídos pelo acidente, precipitaram-se para o local. Perfilaram o cerco habitual. Ele ajoelhou-se junto dela. Sangue, havia sangue no chão. A dor corria por ali. Corria ainda quente, derramada. É uma regra da vida. A paixão antecede o acidente. O sofrimento sucede-lhe. O Marquês.