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Albergue dos danados

Blog de maus e mal-dizer 

2003-09-25


É ternurenta a leveza de espírito revelada por LR, do Mata-Mouros, na sua proposta de refundação do sistema político da pátria. Em justiça, porém, note-se que ele próprio não deixa de reconhecer os laivos néscios que subjazem a tal proposta. É que, acusa ele, tem consciência de que as alterações radicais que preconiza dificilmente são passíveis de concretizar de súbito, antes necessitam de ser graduais, animadas “por pressão de dinâmicas sociais que se criem”. Como se faz com o uso de alavancas ou martelos.
Tudo começa com uma nova Constituição, que talvez não careça mais do que quinze artigos. A felicidade começa aqui, pois, se assim for, o “cidadão comum” – que, concerteza, se distingue do que seja o cidadão incomum – tenderá a conseguir criar uma mnemónica que lhe permita facilmente recapitular, como numa oração, os artigos constitucionais. O passo seguinte segue uma insuspeita e célebre cartilha. O Estado é para reduzir – atenção!, no marxismo é que o Estado era para suprimir – a funções “apenas normativas e fiscalizadoras”. A sociedade civil, salvífica, é para libertar, liquidando-se, assim, as maléficas corporações que, embora incrustadas nessa dita sociedade civil, existem apenas porque existe o Estado. E como é que isso se concretiza? É muito simples, por via de uma “profunda reforma da divisão administrativa do país”. Os municípios são para não ser mais do que cem, com uma dimensão demográfica de aproximadamente cem mil habitantes cada, dedicados “a uma mera «gestão de condomínio» e a alguma «filigrana social»”. As freguesias, essas, são “redimensionadas e homogeneizadas à volta dos dez mil habitantes, passando a servir apenas para fins estatísticos e eleitorais”. Diga-se, en passant, que não crê o LR “que haja algum concelho com identidade sociológica marcante”. Ele não se refere às freguesias, mas é provável que a crença a propósito delas não seja muito distinta. Aliás, como é bem sabido, apenas um agudo discenimento sociológico manifestamente patológico é que pode sustentar que existem em Portugal comunidades territoriais com identidade, diferenciadas umas de outras. Enfim... A paródia continua no mesmo tom e, por ser digna de registo numa antologia de anedotas de engenharia política, merece ser lida na íntegra. O que lá se encontra é um argumento tanto original quanto limpinho. Tão imaculado quanto palavras brancas numa folha branca. Olha-se para ele e não se consegue descortiná-lo. Não porque não se consiga vê-lo, mas porque não está lá o mínimo que seja de juízo. Os ilusionistas, no circo, conseguem fazer o mesmo. Os malabaristas é que não. A arte é outra. Nicky Florentino e Segismundo.


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