Uma das ficções modernas é a figura do cidadão. O cidadão é a criatura que, pela relação que tem com uma determinada comunidade política, é igual a todas as outras criaturas que tenham uma relação semelhante com essa mesma comunidade política. Assim como todos somos iguais para a miopia divina, também todos somos iguais para o Estado. É essa condição isométrica que nos faz cidadãos. Tendo isto presente, é pois com estupefacção que se sabe que uns senhores drs. causídicos, defensores de uns quantos arguidos do caso Casa Pia, escreveram num recurso que apresentaram ao Supremo Tribunal de justiça a expressão «cidadão médio da comunidade». Haja alguém que explique aos senhores - provavelmente com o superego a murmurar-lhes num débito contínuo que são uns senhores cidadãos xiséle ou xisxiséle e que assim se devem sentir - que os cidadãos da comunidade – haverá outros?, em Vénus?, em Saturno? – são todos do mesmo tamanho. Não os há minis ou médios ou colossais. Por muito que uns insuflados se julguem civicamente acima de outros, todos os cidadãos estão domiciliados no rés-do-chão. Há misérias que são assim. Nicky Florentino e Segismundo.