Ela não era de amores genuínos por ele. Achava-o engraçado, um rapaz jeitoso, mas não a afligiam fulgores ou necessidades de forte aplacagem. Conseguia controlar-se bem. Divertia-se com ele e algumas coisas mais, mas nada de arrebatador. Incomodava-a, porém, e não pouco, uma propriedade dele, o ressono. Era como uma moto-serra em funda aceleração. Daí que um dia, depois da consumação das vergonhosas manobras, como pretensa terapia - disse ela, depois -, lhe tenha cravado nas costas, enquanto o desgraçado dormia, mais de duas dúzias de alfinetes e agulhas. Ele, quando mudou de posição, afundou os espetos na carne e sentiu a óbvia dor. Praguejou, praguejou imenso. E foi capaz de julgar e clamar, em voz projectada, que ela não o amava e que era uma doida. Ela, com um ar atónito, sentia dentro de si uma satisfação que não conhecia. Não era amor o que sentia, mas era como se fosse. Talvez até fosse mais. Perceber-lhe a dor, ser a razão, pelo acto cumprido, da dor que ele sentia fulgurizava-a. Calado ele, ela disse apenas, não há amor como o primeiro; todos os outros lhe sucedem. Era a defesa que ela tinha à acusação que, naquele instante, ele lhe lançara, tu ainda sonhas com o Benjamin e, por isso, quiseste matar-me, sua insana. Não era verdade. Ela era rapariga de afinado e justo trambelho. O Marquês.