Por mando da Direcção-Geral da Saúde, quatro epidemiologistas estão encarregues de uma macabra empreitada, analisar todos os certificados de óbido, um por um, que, desde um de Junho, deram entrada nas conservatórias de registo civil da pátria. O propósito é verificar que causas fizeram os defuntos, se a canícula, se outro qualquer motivo. Pois suspeita-se que, segundo estimativa, os recentes calmosos celsius terão sido razão de mil trezentos e dezasseis acabamentos de vida em Portugal. Discute-se até já o domicílio onde os cadáveres aconteceram assim, para apurar se o aumento extraordinário da mortalidade foi intra ou extra-hospitalar. No limite, porém, do que a missão trata é da produção de uma estatística mórbida. Que nem ao diabo interessa. E que aos outros, designadamente à malta metida em gente do Estado, interessa por permitir classificar os mortos sucedidos, não por os evitar. Pois acontece que a morte apenas se acautela antes, nunca depois, sentença insofismável tenha-se lido o primeiro Heidegger ou não. Nicky Florentino.