Existe montada no imaginário social tardo-moderno do noroeste uma ilusão que obriga os poderes à autenticidade. No entanto, o exercício da mentira, seja ela conveniente, manhosa ou piedosa, é constitutivo da acção política. Não há poder ou autoridade que, nalgumas das suas dimensões, não seja coisa dissimulada, vaga, sombra. É da ordem das coisas assim ser. Porém, sendo a acção política uma acção condicionada, como qualquer outra acção, é condição do seu sucesso que a mentira não seja percebida. Daí que os arautos da transparência e os que a reclamam insistentemente sejam uma perniciosa praga moralista. No limite, têm eles o intento de desapropriar a política da sua própria identidade. A política é política, não é moral. O código que define e regula uma não é o código que define e regula a outra. E é conveniente velar pela diferenciação entre ambas, pois isso é condição da própria sustentabilidade da modernidade e da democracia.
É um facto que Norberto Bobbio escreveu há aproximadamente vinte anos, n’Il Futuro della Democrazia, que a transparência é uma das promessas não cumpridas pela democracia. Todavia, é improvável que alguma vez o venha a ser. A opacidade é uma necessidade do próprio exercício político, inclusive democrático. Blair, o maioral do ten of Downing Street, sabe tudo isto. Por isso joga o jogo. Talvez até fingindo que não o joga, mas jogando-o. É essa a ironia e a illusio dramática do jogo político. Longe, muito longe, portanto, da tragédia. Nicky Florentino e Segismundo.